LULA E A SENTIMENTALIZAÇÃO DA POLÍTICA.
Joaquim Falcão no Blog do Noblat.
A legitimidade política do Presidente Lula, com cerca de 80% de aprovação, deve-se à política econômica, simbolizada no fato de que em 2003 28% da população estava na linha da miséria e no final de 2009 apenas 15,5%, como divulga CPS/FGV. Ascensão social em massa sem precedentes.
Deve-se também a um criativo processo de comunicação da Presidência com a maioria da população. Processo que ultrapassou partidos, sindicatos e movimentos sociais. Abandonou os tradicionais ritos do poder. Mas não prescindiu da mídia. Da mídia livre. Ao contrário, construiu-se através dela.
Há cerca de um ano, uma pesquisadora relatou-me que no meio de uma sessão de focus group, tentando desenhar a tendência do eleitorado, uma senhora de classe D, agitou-se e sussurrou com imensa angustia. “Meu marido me abandonou. Era alcoólatra. Me deixou sozinha. Com dois filhos pra criar. Sem dinheiro em casa.” Sua ansiedade a atropelava. “Vivo do bolsa família. Quem coloca dinheiro na minha casa é o Lula.” Parou. “Ele é que é o meu marido”. Sentenciou. Deu-se, no grupo, um momentâneo e eterno silêncio de espanto.
Nestes oito anos, Lula construiu uma identificação sentimental com grande parte do eleitorado. Se Gilberto Freyre estivesse aqui diria que houve uma sentimentalização das relações políticas. Como foi construído esta sentimentalização?
Ao contrário de outros países, não se baseou em mobilizações de rua, greves, manifestações de acirramento reivindicatório, de animus belli. Não foi sentimentalização de confrontos. Nem de fundo religioso, como ocorre nos Estados Unidos. Tentada sem sucesso na campanha, lembrou Bresser, na importada questão sobre o aborto. Houve sim, no período de Lula, uma politização do afeto, diria Gisalio Cerqueira.
Esta politização iniciou com a construção de uma intimidade do Presidente com o telespectador, ouvinte ou leitor de jornal. Através de presença quase quotidiana do Presidente na casa de cada um. A mídia livre abriu a porta para Lula entrar na casa e sentar na sala ou na mesa do bar. Intimidade construída não por pronunciamentos oficiais, televisões e rádios do governo. Estes contaram quase nada. Contaram sim os comentários inusitados de sua personalidade como homem de classe média, livremente veiculados. Não há quem não se lembre do inusitado diagnóstico presidencial sobre a crise financeira mundial de 2008: uma marolinha.
O Presidente também adotou uma estética popular, que lhe é própria e natural. Sua imagem com razoável barriga de fora e desajeitada caixa de isopor na cabeça deve ter provocado na elite e na classe média horror estético. Sensação de ridículo. Indicador visual da desconstrução da autoridade do cargo. Mas foi o identificador com grande parte do eleitorado, no fundamental tema de tomar cervejinha na praia, trocar idéias e jogar conversa fora, que tantos gostam. Aliás, todo dia anúncios de televisão associam cerveja com fraternidade, cumplicidade, vitória. A presidência também associou.
Nesta construção da politização do afeto, o Presidente com certeza se beneficiou de um ruído comunicativo. Da desconexão entre a veiculação de um disparate presidencial como crítica, e a recepção desta veiculação como identidade popular. O que muito editor veiculou como ridículo e, portanto crítica, o eleitor o recebeu como natural e favorável.
A construção de uma intimidade afetuosa no quadro da sentimentalização da política contribuiu para que o Brasil vivesse um de seus momentos de menor mobilização de massa. As ruas foram desocupadas por movimentos sociais dirigidos partidariamente e ocupadas pelos traficantes e milícias ilegais e difusas. Alguns mais críticos diriam que foi a politização do afeto que despotencializou greves. Outros preferem achar que foi a combinação de sentimentalização, do alto para baixo, com os benefícios sócios econômicos.
É muito fácil fazer análises a posteriori, como esta. Imaginando agora o que não teria sido imaginado de antemão. Não acredito que a sentimentalização da política tenha sido premeditada. É mais o resultado da convergência entre a intuitiva personalidade do Presidente, o avanço da política econômica e a mídia livre.
Quando livremente se veicula o inoficial, comunica-se o autêntico. A mídia livre é a única que permite isto. A mídia oficial, jamais. Aliás, um dos sucessos da internet é justamente a comunicação das intimidades em graus inimagináveis. O que o internauta quer, o jovem quer é o espetáculo do acidente do humano. Não quer que este acidente seja construído nem por editores oficiais nem por partidos confessionais. A sentimentalização da política é uma pauta contemporânea. E foi sem querer, uma das bases de legitimação do atual governo.
Joaquim Falcão no Blog do Noblat.
A legitimidade política do Presidente Lula, com cerca de 80% de aprovação, deve-se à política econômica, simbolizada no fato de que em 2003 28% da população estava na linha da miséria e no final de 2009 apenas 15,5%, como divulga CPS/FGV. Ascensão social em massa sem precedentes.
Deve-se também a um criativo processo de comunicação da Presidência com a maioria da população. Processo que ultrapassou partidos, sindicatos e movimentos sociais. Abandonou os tradicionais ritos do poder. Mas não prescindiu da mídia. Da mídia livre. Ao contrário, construiu-se através dela.
Há cerca de um ano, uma pesquisadora relatou-me que no meio de uma sessão de focus group, tentando desenhar a tendência do eleitorado, uma senhora de classe D, agitou-se e sussurrou com imensa angustia. “Meu marido me abandonou. Era alcoólatra. Me deixou sozinha. Com dois filhos pra criar. Sem dinheiro em casa.” Sua ansiedade a atropelava. “Vivo do bolsa família. Quem coloca dinheiro na minha casa é o Lula.” Parou. “Ele é que é o meu marido”. Sentenciou. Deu-se, no grupo, um momentâneo e eterno silêncio de espanto.
Nestes oito anos, Lula construiu uma identificação sentimental com grande parte do eleitorado. Se Gilberto Freyre estivesse aqui diria que houve uma sentimentalização das relações políticas. Como foi construído esta sentimentalização?
Ao contrário de outros países, não se baseou em mobilizações de rua, greves, manifestações de acirramento reivindicatório, de animus belli. Não foi sentimentalização de confrontos. Nem de fundo religioso, como ocorre nos Estados Unidos. Tentada sem sucesso na campanha, lembrou Bresser, na importada questão sobre o aborto. Houve sim, no período de Lula, uma politização do afeto, diria Gisalio Cerqueira.
Esta politização iniciou com a construção de uma intimidade do Presidente com o telespectador, ouvinte ou leitor de jornal. Através de presença quase quotidiana do Presidente na casa de cada um. A mídia livre abriu a porta para Lula entrar na casa e sentar na sala ou na mesa do bar. Intimidade construída não por pronunciamentos oficiais, televisões e rádios do governo. Estes contaram quase nada. Contaram sim os comentários inusitados de sua personalidade como homem de classe média, livremente veiculados. Não há quem não se lembre do inusitado diagnóstico presidencial sobre a crise financeira mundial de 2008: uma marolinha.
O Presidente também adotou uma estética popular, que lhe é própria e natural. Sua imagem com razoável barriga de fora e desajeitada caixa de isopor na cabeça deve ter provocado na elite e na classe média horror estético. Sensação de ridículo. Indicador visual da desconstrução da autoridade do cargo. Mas foi o identificador com grande parte do eleitorado, no fundamental tema de tomar cervejinha na praia, trocar idéias e jogar conversa fora, que tantos gostam. Aliás, todo dia anúncios de televisão associam cerveja com fraternidade, cumplicidade, vitória. A presidência também associou.
Nesta construção da politização do afeto, o Presidente com certeza se beneficiou de um ruído comunicativo. Da desconexão entre a veiculação de um disparate presidencial como crítica, e a recepção desta veiculação como identidade popular. O que muito editor veiculou como ridículo e, portanto crítica, o eleitor o recebeu como natural e favorável.
A construção de uma intimidade afetuosa no quadro da sentimentalização da política contribuiu para que o Brasil vivesse um de seus momentos de menor mobilização de massa. As ruas foram desocupadas por movimentos sociais dirigidos partidariamente e ocupadas pelos traficantes e milícias ilegais e difusas. Alguns mais críticos diriam que foi a politização do afeto que despotencializou greves. Outros preferem achar que foi a combinação de sentimentalização, do alto para baixo, com os benefícios sócios econômicos.
É muito fácil fazer análises a posteriori, como esta. Imaginando agora o que não teria sido imaginado de antemão. Não acredito que a sentimentalização da política tenha sido premeditada. É mais o resultado da convergência entre a intuitiva personalidade do Presidente, o avanço da política econômica e a mídia livre.
Quando livremente se veicula o inoficial, comunica-se o autêntico. A mídia livre é a única que permite isto. A mídia oficial, jamais. Aliás, um dos sucessos da internet é justamente a comunicação das intimidades em graus inimagináveis. O que o internauta quer, o jovem quer é o espetáculo do acidente do humano. Não quer que este acidente seja construído nem por editores oficiais nem por partidos confessionais. A sentimentalização da política é uma pauta contemporânea. E foi sem querer, uma das bases de legitimação do atual governo.
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