A grande guerra
A demissão de Erenice Guerra do cargo de ministra-chefe da Casa Civil não desobriga o governo de investigar o caso. Ele tem indícios escabrosos de tráfico de influência no coração do governo e estáligado a uma pessoa que desde 2002 tem trabalhado diretamente com acandidata Dilma Rousseff. Erenice é o elo entre este governo e o que pode ser o próximo. É preciso entender o que houve.
Há casos que começam simples e só com o tempo se complicam. Esse estourou já num grau de complexidade espantoso. A ex-ministra pareciaser um consórcio: dois filhos, dois irmãos, irmã, ex-cunhada, assessor, mãe de assessor, irmão da mãe de assessor, marido, todos de alguma forma envolvidos em negócios ou conflito de interesses dentro do governo.
Sua primeira reação, quando começaram a ser publicados os abundantes indícios de irregularidades que a cercavam, foi fazer uma nota comtimbre e autoridade do Palácio do Planalto acusando o candidato adversário de ser "aético e derrotado". Mais uma inconveniência nomeio de tantas, porque o primeiro a fazer era se explicar ao cidadão e contribuinte brasileiro.
Mas essa nota foi mais uma prova de que o Brasil não tem mais governo, tem um comitê eleitoral em plena e intensa atividade. A demissão de Erenice, que ninguém se engane, não é um tardio ataque de moralidade.
É o resultado de um cálculo eleitoral. A dúvida era o que poderia atingir a candidata Dilma Rousseff — manter Erenice, insistindo na tese de que ela era vítima de uma jogada eleitoral, ou demiti-la para tentar reduzir o interesse no caso?
Nada do que foi divulgado pode acontecer num governo sério. Filhos de ministra não podem intermediar negócios, não podem cobrar "taxas de sucesso"; assessor de ministra não pode ser filho da dona da empresa que faz a defesa de interesses dentro do governo; marido da ministra não pode estar num cargo público que dê a ele o poder de decidir sobreo fechamento do contrato que está sendo negociado. Ministra não faz essas estranhas reuniões com fornecedores do governo. Há outras impropriedades, mas fiquemos nessas primeiras.
A manchete da Folha de ontem trouxe a arrasadora entrevista de um empresário que, munido de e-mails e cópias de contratos, diz que foi vítima de tentativa de extorsão ao pedir um empréstimo no BNDES. Além das taxas variadas e dos milhões que ele afirma ter sido pedido para acampanha da candidata do governo, chegou a ser pedido 5% num empréstimo de R$ 9 bilhões. Se ele fosse concedido, isso seria R$ 450milhões.
Erenice Guerra trabalhou com Dilma Rousseff desde a transição, foi seu braço-direito, a enviada especial a missões difíceis, a pessoa a quem ela entregou o cargo quando saiu, em quem tinha absoluta confiança. O vínculo não é criado pela imprensa, não é ilação, são os fatos. Esse não é o caso apenas do filho de uma ex-assessora, como Dilma disse no seu último debate. Esse é um conjunto assustador de indícios de umcomportamento totalmente condenável no trato da questão pública.
Não é importante quem ganha a eleição. É importante como se ganha a eleição. A democracia estabelece que o vencedor é aquele que tem mais votos e ponto final. Cabe aos eleitores dos outros candidatos respeitar a pessoa eleita, a estrutura de poder que ele representa e torcer pelo novo governo. Portanto, ao vencedor, o poder da República por um mandato. O problema é quando um grupo, para se manter no poder, usa a máquina pública como se fosse de um partido, quando um governo inteiro se empenha apenas em defender uma candidatura, e não o interesse coletivo, quando sinais grosseiros de mau comportamento são tratados com desleixo pelas maiores autoridades do país, sob o argumento de que se trata de uma briguinha eleitoral.
Nada do que tem acontecido ultimamente é aceitável num país dedemocracia jovem, instituições ainda não inteiramente consolidadas e desenvolvidas. Não importa quem vai ser eleito este ano, o que não pode acontecer é o país considerar normal esse tipo de comportamento que virou rotina nos últimos dias.
As atitudes diárias do presidente da República demonstram que oito anos não foram o bastante para ele entender a fronteira entre o interesse coletivo e o do seu partido; entre ser o governante de todos os brasileiros e o chefe de campanha da sua escolhida; entre popularidade e indulgência plenária para todo o tipo de comportamento inadequado.
O país pode sair desta eleição derrotado em seu projeto, o único projeto que é de todos os brasileiros: o de construir uma democracia sólida, instituições permanentes e a concórdia entre os brasileiros.
O caso Erenice Guerra é assustador demais para ser varrido paradebaixo do tapete. Os indícios são de que a punição aos envolvidos no escândalo do mensalão, que agora respondem na Justiça por seus atos, não mudaram os padrões de comportamento dentro do governo. A Casa Civil não pode estar sempre no noticiário de escândalos. É, na definição da candidata Dilma Rousseff, o segundo mais importante cargo do governo. Se é tudo isso, que se faça uma investigação do que havia por lá. Mas que não seja mais um "doa a quem doer" de fantasia; que não seja a apuração que nada apura, que perde prazos, que confunde eacoberta. Não é uma eleição que está em jogo. Ela pode já estar até definida a esta altura, com tanta vantagem da candidata governista a 15 dias da eleição. O que está em jogo é que país o Brasil escolheu ser, neste momento tão decisivo de sua história. Essa é a verdadeira guerra.
Miriam Leitão, O Globo, 17/09/10
Louve-se a sinceridade de José Dirceu numa campanha em que ela não tem sido a matéria-prima. Ele não sabia que estava sendo ouvido pelo que considera o grande inimigo: a imprensa. É uma sinceridade desavisada, mas Dirceu repete o que muita gente diz no partido: com Dilma, o PT vai mandar mais do que com Lula e fazer o seu “projeto”, seja lá o que for isso.
A julgar pelo que José Dirceu disse no encontro com petroleiros na Bahia, o presidente Lula é grande demais, engoliu o partido. “É duas vezes maior do que o PT.” Já Dilma, ele define como uma liderança que não tinha “grande expressão popular, eleitoral, nem raiz histórica no país”. Neste ponto, José Dirceu não foi exato. Não é que ela não tinha “grande”, ela não tinha qualquer expressão, nem popular, nem eleitoral, nem raiz histórica. Ele sabe.
Será que José Dirceu acha que Lula é passado? Ficou maior que o partido, governou seu próprio projeto, vai eleger sua escolhida edepois sair de cena? Talvez seja preciso combinar com o próprio Lula que, vivendo agora seu melhor momento, tem claras ambições futuras.
Curioso, o Lula. Ele nunca foi um fenômeno eleitoral. Perdeu três eleições, e as duas que ganhou foi apenas no segundo turno, mesmo disputando com candidatos que não têm seu talento de encantador de plateias. Ele é fenômeno eleitoral agora quando, ao sair, transforma uma desconhecida, recém-chegada ao partido, com falhas explícitas na comunicação, em favorita das intenções de voto. Lula não foi um espanto quando disputou o voto para ele mesmo. Mas tem se inebriadocom a popularidade, pensa que é eterna e alimenta desejos de volta.
Como diria seu neo amigo, Collor de Mello: “Só não vê quem não quer.”
Curiosa também a interpretação que José Dirceu faz da imprensa. Acha que ela está em guerra contra ele. “Temos uma disputa contra nós na comunicação”, diz ele, para acrescentar que é preciso se “preparar para essa disputa da mídia comigo”. A obsessão parece inversa. Para José Dirceu, a imprensa quer que ele seja condenado, quer bani-lo da vida política, quer impedir que ele exerça a profissão. “Eles me cassaram, saí do governo, fiquei inelegível, depois começaram uma campanha contra minhas atividades de advogado e consultor.” Acha que essa perseguição ocorre “em conluio” com a Polícia Federal, Ministério Público e Poder Judiciário.
Ele foi demitido por Lula no rol das denúncias do mensalão, feitas pelo então aliado do governo Roberto Jefferson. O Ministério Público ofereceu a denúncia contra a “organização criminosa” — definição do procurador-geral da República — e o Supremo instaurou o processo. A CPI revelou que o dinheiro era sacado na boca do caixa e distribuído a integrantes da base aliada. O Congresso decidiu sobre seus direitos políticos. Será que ele acha que qualquer um desses fatos espantosos poderia não ser divulgado?
Sua avaliação de que há um “excesso de liberdade” assusta porque isso não é seu pensamento apenas. É o do “projeto”. O mesmo que tentou por duas vezes no governo Lula controlar a imprensa; o mesmo que estava no programa original da candidata do PT enviado ao TSE, aquele que ela rubricou supostamente sem ler. Os indícios são fortes demais da visão distorcida que o “projeto” tem do exercício de um indispensável pilarda democracia.
Os jornalistas costumam provocar reações iradas de candidatos em geral. Está aí José Serra para provar. Irrita-se desde o começo da campanha, acha que há intenções ocultas nas perguntas, dá respostas atravessadas. Perde pontos com isso. Era o mais experiente dos candidatos, parece o menos preparado para enfrentar as tensões e pressões naturais de uma campanha. É a maior vítima de seu temperamento.
Mas criticar os jornalistas, os órgãos de imprensa, dar respostas atravessadas, tudo isso é da natureza do jogo. Uma campanha desgasta, cansa, irrita, anima, aflige, mexe com todas as emoções dos candidatos e seus assessores. Críticas aos jornais, aos jornalistas não representam perigo. O presidente da República não passa um dia sem criticar a imprensa. É seu esporte favorito depois do futebol. O risco ocorre quando passa a ser parte do “projeto” conter, limitar, controlar, intervir no livre exercício do direito e dever de informar.
Foi assim que o presidente Hugo Chávez começou, é neste caminho que está indo o casal Kirchner, assim começaram todos os regimes autoritários. Todos acham que há um “excesso” de liberdade de imprensa. Para Dirceu, há no Brasil um “abuso do direito de informar”.
José Dirceu deveria estar feliz, tranqüilo, esperançoso, afinal, a candidata para a qual trabalha está bem nas pesquisas. Em vez disso, vocifera ameaças, sente-se perseguido, pensa ser o centro das preocupações da imprensa. Deveria já ter entendido que não é esse o“projeto” que está sendo apoiado pelos eleitores, mas a sensação de conforto econômico que dá o crescimento com inflação baixa. Conforto que muito deve ao governo anterior. Se o “projeto” for fazer da eventual vitória da Dilma uma carta branca para o autoritarismo, o PT estará cometendo o maior dos seus erros.
Miriam Leitão, O Globo, 16/09/10
KKKKKKK!!!!! Pô, assim não vale! Nem consegui ler os textos (que devem ser belos e imparciais como sempre), pois não consigo parar de rir ao ler o título do Post, que me permito reproduzir: "Miriam Leitão - Sempre lúcida e coerente." kkkkkkkkkk!! Esta foi boa demais, por que a Miriam LEILÃO nem o Mendonça de Barros (procure pesquisar a relação dos dois) leva a sério!!
ResponderExcluirÉ Renan, coerencia pra voce deve ter a Erenice, a Dilma, a Marisa, A Ideli, a Marta, enfim, mulheres distintas que no fundo, no fundo, nunca esconderam que querem se locupletar, enganar, relaxar e gozar. De fato, não deixa de ser coerente.
ResponderExcluirAmigo, se voce ganhasse bolsa esmola eu até compreendia, mas já passou da hora da esquerda intelectual ficar tapando o sol com a peneira.
Julinho, admiro e respeito muito as mulheres petistas que vc citou acima. Íntegras e coerentes e que detestam se locupletar (faz-me rir!!)devem ser as políticas tucanas e demoníacas (kkk) da estirpe de uma Yeda Cruzius, que está sendo extirpada nestas eleições pelos gaúchos!! Quanto ao preconceito contido na frase final, nem merece resposta e as pesquisas demonstram que não é so quem recebe o "bolsa-esmola" que vota na Dilma, que, curiosamente, está na frente até na terra do "coiso", São Paulo! Por que será hein? Já que os tucanos são tão inteligentes e competentes? E antes de denegrir o programa Bolsa Família, procure saber o círculo virtuoso que ele implantou nas economias de pequenas cidades deste país, injetando mais de 8 bilhões de reais por ano na economia, de consumo de gente que estava fora da faixa de consumo! Não é ser "esquerda intelectual" como vc disse, é saber pensar e discenir, sem preconceitos, ao invés de ficar repetindo assertivas preconceituosas de uma elite (inclusive aqui de Barra Mansa), que nunca viu a miséria de perto e vive num mundinho de faz de conta!
ResponderExcluirCaro Renan,
ResponderExcluirNão pretendo prolongar a discussão pois é evidente que nenhum de nos dois vai mudar a linha de pensamento por causa dos nossos argumentos, e respeito o seu ponto de vista apesar de discordar. Porém, só para esclarecimento, conheci a miséria, não só de perto, mas no interior dela, e meu mundo é muito real, porém creio que tal comentário não me incluiu, mas mesmo assim, fica o esclarecimento.
Abraço.
Renan, vc viu a entrevista da Dilma no Bom Dia Brasil com a urubóloga?
ResponderExcluirDeu show.A lucidez da Miriam Urubóloga Leitão é tanta que ela chega até a gaguechar e principalmente ficar calada.
Fala sério! Até a Hildegard Angel e a Dona Lily Marinho comentaram sobre as besteiras que esta urubóloga fala.
Mas isso tem dia para acabar.
Carlos