Vamos agora ao texto do Bujão:
O DESERTO BARRAMANSENSE.
por Carlos Vinicius Rosenburg*
Num dia desses, daqueles bem corriqueiros, ordinários, comuns, desses que passam e nem percebemos – acho que todos já tiveram algum dia assim, não?, bem, num desses dias eu estava dirigindo e vi uma placa grande, colocada às margens da linha de trem, que alardeava as obras da retirada do famigerado “pátio de manobras” – algum gaiato chegou e pichou “KD?”, em letras garrafais – mas isso é outra história, que merece uma coluna específica.
Naquele momento a minha cabeça foi levada para um livro que li na adolescência, quando era associado do “Círculo do Livro” (alguém lembra do Círculo do Livro?). Como associado, comprava (e lia) livros com certa periodicidade, uns bons, outros nem tanto. Alguns, porém, marcaram a minha vida. Entre eles está o belíssimo “O Deserto dos Tártaros”, do escritor italiano Dino Buzzati.
A obra narra a história de um rapaz, Giovanni Drogo, que faz academia militar, cheio de sonhos, mas ao se formar é convocado para servir em um forte isolado, em um lugar remoto, longe de tudo, de onde avistavam era uma grande planície (chamada de deserto dos tártaros). Tal planície era a razão de ser do destacamento, pois havia sempre a ameaça de que os inimigos, os tártaros, atacassem a partir daquele ponto. E aí o livro se desenvolve narrando a vida do jovem oficial nesse forte, suas expectativas, a eterna espera pelo inimigo que... nunca aparece. E aí vão surgindo as angústias, o desencanto, a melancolia e a solidão. Passam-se horas, dias, meses, anos, a vida, os sonhos. Quando finalmente o inimigo surge, o já nem tão jovem oficial (com mais de 50 anos), está doente, moribundo, não pode mais lutar e acaba morrendo sozinho.
De aparente argumento militar, o livro, na verdade, trata de um dos grandes dramas humanos, a questão do tempo, do dilema de ser figurante ou assumir um papel principal em nossas vidas, de tomar as rédeas e construir, hoje, o futuro. Fala desse medo que nos cerca, de chegarmos lá na frente e, ao olharmos para trás, descobrirmos que fizemos as escolhas erradas.
E aí você deve estar perguntando: o que esse angustiante livro tem a ver com a questão do pátio de manobras em Barra Mansa? Aparentemente, nada. Mas Barra Mansa também espera por tártaros em um deserto.
Há anos, décadas talvez, Barra Mansa espera por seu grande dia: a retirada do pátio de manobras. E só ouvimos falar nisso. Nesse samba de uma nota só, os barramansenses são embalados por uma espécie de mantra, um discurso inebriante, um conto com inúmeros vigários. E os anos passam, a vida segue, outras cidades tocam o barco, planejam a vida, desenham o futuro, crescem sabendo que o futuro é moldado hoje. Não se apegam a um passado (nem tão) glorioso nem àquilo que não sabem se chegará.
Nossa cidade preferiu outro caminho: espera sentada o desfecho da questão do pátio de manobras. Jamais buscou alternativas, soluções ou alguma espécie de planejamento. Parou no tempo e aceitou, submissa, a posição de mero dormitório entre Resende e Volta Redonda.
Da mesma forma que no livro, é provável que o grande dia chegue e o pátio de manobras seja retirado do miolo da cidade. Mas também é muito provável que, nesse grande dia, não haja mais nada a ser feito.
A vida teima em imitar a arte.
*Carlos Vinicius Rosenburg tem 38 anos, é barramansense e espera que o futuro de Barra Mansa comece a ser construído hoje, com a existência ou não do pátio de manobras.
Num dia desses, daqueles bem corriqueiros, ordinários, comuns, desses que passam e nem percebemos – acho que todos já tiveram algum dia assim, não?, bem, num desses dias eu estava dirigindo e vi uma placa grande, colocada às margens da linha de trem, que alardeava as obras da retirada do famigerado “pátio de manobras” – algum gaiato chegou e pichou “KD?”, em letras garrafais – mas isso é outra história, que merece uma coluna específica.
Naquele momento a minha cabeça foi levada para um livro que li na adolescência, quando era associado do “Círculo do Livro” (alguém lembra do Círculo do Livro?). Como associado, comprava (e lia) livros com certa periodicidade, uns bons, outros nem tanto. Alguns, porém, marcaram a minha vida. Entre eles está o belíssimo “O Deserto dos Tártaros”, do escritor italiano Dino Buzzati.
A obra narra a história de um rapaz, Giovanni Drogo, que faz academia militar, cheio de sonhos, mas ao se formar é convocado para servir em um forte isolado, em um lugar remoto, longe de tudo, de onde avistavam era uma grande planície (chamada de deserto dos tártaros). Tal planície era a razão de ser do destacamento, pois havia sempre a ameaça de que os inimigos, os tártaros, atacassem a partir daquele ponto. E aí o livro se desenvolve narrando a vida do jovem oficial nesse forte, suas expectativas, a eterna espera pelo inimigo que... nunca aparece. E aí vão surgindo as angústias, o desencanto, a melancolia e a solidão. Passam-se horas, dias, meses, anos, a vida, os sonhos. Quando finalmente o inimigo surge, o já nem tão jovem oficial (com mais de 50 anos), está doente, moribundo, não pode mais lutar e acaba morrendo sozinho.
De aparente argumento militar, o livro, na verdade, trata de um dos grandes dramas humanos, a questão do tempo, do dilema de ser figurante ou assumir um papel principal em nossas vidas, de tomar as rédeas e construir, hoje, o futuro. Fala desse medo que nos cerca, de chegarmos lá na frente e, ao olharmos para trás, descobrirmos que fizemos as escolhas erradas.
E aí você deve estar perguntando: o que esse angustiante livro tem a ver com a questão do pátio de manobras em Barra Mansa? Aparentemente, nada. Mas Barra Mansa também espera por tártaros em um deserto.
Há anos, décadas talvez, Barra Mansa espera por seu grande dia: a retirada do pátio de manobras. E só ouvimos falar nisso. Nesse samba de uma nota só, os barramansenses são embalados por uma espécie de mantra, um discurso inebriante, um conto com inúmeros vigários. E os anos passam, a vida segue, outras cidades tocam o barco, planejam a vida, desenham o futuro, crescem sabendo que o futuro é moldado hoje. Não se apegam a um passado (nem tão) glorioso nem àquilo que não sabem se chegará.
Nossa cidade preferiu outro caminho: espera sentada o desfecho da questão do pátio de manobras. Jamais buscou alternativas, soluções ou alguma espécie de planejamento. Parou no tempo e aceitou, submissa, a posição de mero dormitório entre Resende e Volta Redonda.
Da mesma forma que no livro, é provável que o grande dia chegue e o pátio de manobras seja retirado do miolo da cidade. Mas também é muito provável que, nesse grande dia, não haja mais nada a ser feito.
A vida teima em imitar a arte.
*Carlos Vinicius Rosenburg tem 38 anos, é barramansense e espera que o futuro de Barra Mansa comece a ser construído hoje, com a existência ou não do pátio de manobras.
Uma das frases mais brilhantes que ouvi nos últimos anos está contida neste texto e a reproduzo, convidando-os à reflexão:
...os barramensenses são embalados por uma espécie de mantra, um discurso inebriante, um conto com inúmeros vigários...
GENIAL, SIMPLESMENTE, GENIAL.
Salve Julinho!
ResponderExcluirAntes de mais nada, parabéns pelo blog. Não é pra qualquer um manter um blog de oposição em uma cidade como Barra Mansa.
E muito obrigado pela publicação do meu texto em um veículo como o seu, de grande audiência.
Não é preciso pedir autorização ou qualquer coisa assim. Vc é sócio-proprietário (e grande incentivador!) do Estação BM.
Grande abraço e Saudações Rubro-Negras!