Por Reinaldo Azevedo
Vocês viram que Dilma Rousseff disse ter fracassado como dona de lojinha de porcariada importada do Panamá por culpa de… FHC!!! Unha encravada, espinhela caída, borborigmo? Culpe FHC. É preciso que vocês leiam um dos textos mais precisos e mais bem-escritos de quantos foram publicados neste blog.*O que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso poderia ter feito de tão ruim assim em sua vida, pública ou particular, para ser tão malquisto nessa escura nebulosa que é o mundo político brasileiro? O fato é conhecido já faz bom tempo, mas tende a ficar mais evidente em épocas de campanha eleitoral. Seus adversários, no PT e no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tentam demonstrar diariamente que Fernando Henrique continua sendo, oito anos após deixar a Presidência, o inimigo número 1 do povo brasileiro.
Quase todos os que deveriam estar do seu lado fazem tudo o que podem para esconder que têm, ou tiveram, alguma coisa em comum com ele, qualquer que seja. Por que isso? A hipótese mais provável é talvez a mais simples: o que não se perdoa ao ex-presidente é o seu sucesso. O Brasil, por força de teimosa tradição, em geral não convive bem com o êxito; na célebre definição do compositor Tom Jobim, sucesso, por aqui, é “insulto pessoal”, tanto para inimigos como para amigos de ocasião. Em vez de admiração, provoca ressentimento. Em vez de afeto, atrai inimizades. Produz inveja, despeito, rancor, mesquinharia - enfim, põe em modo operacional toda uma coleção de traços que estão entre os menos atraentes da personalidade humana. (grifo meu, sei bem o que é isso. Grande Tom!)
Falar mal de Fernando Henrique Cardoso tornou-se, ao longo dos últimos anos, um esporte nacional, sobretudo entre o que se chama de “elite brasileira”. É um dos passatempos preferidos da maioria dos nossos mais lustrosos capitães de indústria (ou de comércio, ou de finanças), fornecedores do estado ou empreiteiros de obras públicas - algo que transparece, aliás, nas doações de quase 45 milhões de reais feitas entre janeiro e julho para a candidatura oficial, mais do que o dobro do que se deu à oposição. A popularidade do ex-presidente é igualmente baixa entre os colossos do nosso mundo político, a começar pelos que têm as quilometragens mais longas, e os prontuários mais grossos, nesse tipo de ocupação.
Não gostam dele, de modo geral, professores universitários, cientistas políticos, analistas da imprensa, economistas, grandes vultos da cultura nacional - e possivelmente, como diria a socialite-celebridade Eleonora Rosset, o resto da intelligentsia brasileira, “de Marilena Chaui a Hebe Camargo”. O desapreço por Fernando Henrique, enfim, acabou se tornando um fenômeno interpartidário. Começou com o PT e o “fora FHC”, por questões de estratégia e marquetagem política - era preciso “desconstruí-lo”, pois era ele o inimigo a abater. Com o tempo, os seus próprios aliados passaram a acreditar no que dizia o PT - e, por questões de estratégia e marquetagem política, decidiram afastar-se dele, convencidos de que “FHC custa votos”. Resulta que estamos na terceira campanha eleitoral seguida em que a prioridade do PSDB é fazer de conta que não tem nada a ver com Fernando Henrique. Ele foi o único presidente que o partido elegeu até hoje - já no primeiro turno, por sinal, das duas eleições que disputou. Mas desde janeiro de 2003 não serve mais; tornou-se, politicamente, uma espécie de portador de doença contagiosa.
Os pecados dos quais Fernando Henrique é acusado pelos que sempre foram seus inimigos políticos e pelos que deixaram de ser amigos são numerosos demais para caber numa mera página de revista. Há alguma coisa errada no Brasil? Deu problema? Está com defeito? A culpa é dele, e ainda não deu tempo para consertar. Entende-se melhor o espírito da coisa quando se verifica que a acusação talvez mais repetida descreve o ex-presidente como “arrogante” ou “vaidoso” - uma escolha realmente infeliz de palavras, pois comparado ao seu sucessor nesse quesito, justo nesse, o homem chega a parecer um monge trapista.
Mais que tudo, porém, foi vendida e comprada a lenda segundo a qual ele deixou o país “em ruínas” e passou uma “herança maldita” para o presidente atual. Mas o que aconteceu no mundo dos fatos foi exatamente o contrário. A verdade é que pouco do que existe de positivo no Brasil de hoje não está ligado, de alguma forma, aos dois períodos de Fernando Henrique na Presidência. Não é preciso complicar as coisas. Foi seu governo que finalmente encarou e venceu a inflação no Brasil - ou teria sido algum outro?
Em cima desse alicerce, no qual não se mexeu em nada, foi construída a casa que está de pé até hoje, a começar pelos aumentos reais de renda que tiraram milhões de brasileiros da pobreza e que agora são descritos como a maior conquista da história nacional.
Para isso não há perdão.
*Voltei: Este texto, segundo entendo, tem um só defeito, hehe: não fui eu que o escrevi. E adoraria tê-lo feito. Foi publicado na VEJA desta semana. O autor é o jornalista José Roberto Guzzo, colunista da revista, membro do Conselho Editorial da Abril e um dos melhores textos da imprensa brasileira.
Vocês viram que Dilma Rousseff disse ter fracassado como dona de lojinha de porcariada importada do Panamá por culpa de… FHC!!! Unha encravada, espinhela caída, borborigmo? Culpe FHC. É preciso que vocês leiam um dos textos mais precisos e mais bem-escritos de quantos foram publicados neste blog.*O que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso poderia ter feito de tão ruim assim em sua vida, pública ou particular, para ser tão malquisto nessa escura nebulosa que é o mundo político brasileiro? O fato é conhecido já faz bom tempo, mas tende a ficar mais evidente em épocas de campanha eleitoral. Seus adversários, no PT e no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tentam demonstrar diariamente que Fernando Henrique continua sendo, oito anos após deixar a Presidência, o inimigo número 1 do povo brasileiro.
Quase todos os que deveriam estar do seu lado fazem tudo o que podem para esconder que têm, ou tiveram, alguma coisa em comum com ele, qualquer que seja. Por que isso? A hipótese mais provável é talvez a mais simples: o que não se perdoa ao ex-presidente é o seu sucesso. O Brasil, por força de teimosa tradição, em geral não convive bem com o êxito; na célebre definição do compositor Tom Jobim, sucesso, por aqui, é “insulto pessoal”, tanto para inimigos como para amigos de ocasião. Em vez de admiração, provoca ressentimento. Em vez de afeto, atrai inimizades. Produz inveja, despeito, rancor, mesquinharia - enfim, põe em modo operacional toda uma coleção de traços que estão entre os menos atraentes da personalidade humana. (grifo meu, sei bem o que é isso. Grande Tom!)
Falar mal de Fernando Henrique Cardoso tornou-se, ao longo dos últimos anos, um esporte nacional, sobretudo entre o que se chama de “elite brasileira”. É um dos passatempos preferidos da maioria dos nossos mais lustrosos capitães de indústria (ou de comércio, ou de finanças), fornecedores do estado ou empreiteiros de obras públicas - algo que transparece, aliás, nas doações de quase 45 milhões de reais feitas entre janeiro e julho para a candidatura oficial, mais do que o dobro do que se deu à oposição. A popularidade do ex-presidente é igualmente baixa entre os colossos do nosso mundo político, a começar pelos que têm as quilometragens mais longas, e os prontuários mais grossos, nesse tipo de ocupação.
Não gostam dele, de modo geral, professores universitários, cientistas políticos, analistas da imprensa, economistas, grandes vultos da cultura nacional - e possivelmente, como diria a socialite-celebridade Eleonora Rosset, o resto da intelligentsia brasileira, “de Marilena Chaui a Hebe Camargo”. O desapreço por Fernando Henrique, enfim, acabou se tornando um fenômeno interpartidário. Começou com o PT e o “fora FHC”, por questões de estratégia e marquetagem política - era preciso “desconstruí-lo”, pois era ele o inimigo a abater. Com o tempo, os seus próprios aliados passaram a acreditar no que dizia o PT - e, por questões de estratégia e marquetagem política, decidiram afastar-se dele, convencidos de que “FHC custa votos”. Resulta que estamos na terceira campanha eleitoral seguida em que a prioridade do PSDB é fazer de conta que não tem nada a ver com Fernando Henrique. Ele foi o único presidente que o partido elegeu até hoje - já no primeiro turno, por sinal, das duas eleições que disputou. Mas desde janeiro de 2003 não serve mais; tornou-se, politicamente, uma espécie de portador de doença contagiosa.
Os pecados dos quais Fernando Henrique é acusado pelos que sempre foram seus inimigos políticos e pelos que deixaram de ser amigos são numerosos demais para caber numa mera página de revista. Há alguma coisa errada no Brasil? Deu problema? Está com defeito? A culpa é dele, e ainda não deu tempo para consertar. Entende-se melhor o espírito da coisa quando se verifica que a acusação talvez mais repetida descreve o ex-presidente como “arrogante” ou “vaidoso” - uma escolha realmente infeliz de palavras, pois comparado ao seu sucessor nesse quesito, justo nesse, o homem chega a parecer um monge trapista.
Mais que tudo, porém, foi vendida e comprada a lenda segundo a qual ele deixou o país “em ruínas” e passou uma “herança maldita” para o presidente atual. Mas o que aconteceu no mundo dos fatos foi exatamente o contrário. A verdade é que pouco do que existe de positivo no Brasil de hoje não está ligado, de alguma forma, aos dois períodos de Fernando Henrique na Presidência. Não é preciso complicar as coisas. Foi seu governo que finalmente encarou e venceu a inflação no Brasil - ou teria sido algum outro?
Em cima desse alicerce, no qual não se mexeu em nada, foi construída a casa que está de pé até hoje, a começar pelos aumentos reais de renda que tiraram milhões de brasileiros da pobreza e que agora são descritos como a maior conquista da história nacional.
Para isso não há perdão.
*Voltei: Este texto, segundo entendo, tem um só defeito, hehe: não fui eu que o escrevi. E adoraria tê-lo feito. Foi publicado na VEJA desta semana. O autor é o jornalista José Roberto Guzzo, colunista da revista, membro do Conselho Editorial da Abril e um dos melhores textos da imprensa brasileira.
Por Reinaldo Azevedo
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