OS ABUTRES DO CAOS - CONTINUAÇÃO.

GOTAS DE SERENO EM UMA SOCIEDADE HIPÓCRITA.

Ontem dissertamos sobre a "febre" ensandecida de prefeitos de todo o país que, em conluio com corporações de segurança, estão fazendo uma "varredura" jamais vista em estabelecimentos comerciais do ramo de entretenimento após a tragédia ocorrida na Boate KISS, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que até agora vitimou fatalmente 236 pessoas. Muitos entenderam que minha defesa para os empreendedores culturais do Brasil objetivada rotulá-los como santos. Não o são e nem foi essa minha intenção na elaboração do texto. Nosso propósito, ao contrário, visou tentar desmascarar "falsos heróis" que de forma oportunista e leviana, tentam tirar proveito político e moral do desastre gaúcho.
Somente agora, após a tragédia, entidades e autoridades chamam para si responsabilidades que sempre foram suas mas que constumeiramente foram negociadas em troca de vantagens pessoais. Pretendem, descaradamente, transformar todos os empreendedores em vilões e concomitantemente posar como heróis da segurança coletiva na onda da tragédia que provocou comoção mundial. Com o apoio inocente da sociedade, querem colocar todos os empresários artísticos, músicos e produtores, no mesmo balaio errôneo e irresponsável dos donos da infortunada boate gaúcha.

Já realizei diversos empreendimentos no ramo e em contato com empresários e produtores do país,  sabemos como é venal e corriqueiro o comércio da criação de "dificuldades" para a "venda" de "facilidades". Não espero cometer o mesmo erro da mídia e das autoridades e rotular todos os agentes públicos com o mesmo adesivo cruel e preconceituoso, mas é fato que não há empresário do ramo que já não tenha sido "obrigado" a pagar propinas, conceder cortesias, liberar acessos, patrocinar bebidas, realizar contratações dirigidas e outras anomalias morais para que pudessem empreender no ramo com tranquilidade. Os profissionais dos mesmos segmentos que aparecem na mídia fechando estabelecimentos e prendendo pessoas, são colegas dos que se beneficiaram por longos anos com as mencionadas práticas extorsivas e achacadoras, como fiscais, bombeiros, comissários, policiais, prefeitos, etc...

É certo que um erro não justifica o outro e precisamos zelar pela segurança dos frequentadores dos estabelecimentos de qualquer seara, mas o que estamos assistindo nos jornais e nas televisões do Brasil é uma execração pública e covarde das vítimas (investidores do ramo) e um enaltecimento indevido para os verdadeiros vilões (certas "autoridades").

Quando se faz um evento, mesmo que seja de médio porte, se movimenta a economia e se faz circular moeda, gerando renda para empresas de sonorização e iluminação, vendedores de bebidas e alimentos, seguranças, vigias, porteiros, bilheteiros, garçons, técnicos de som, músicos, recepcionistas, gráficas, empresas de transporte, locação de veículos, hotéis, ECAD, DJs, panfleteiros, estações de rádio e TV, jornais, carros de som, "promoters", malharias, estúdios, locutores, fornecedores de geradores de energia, camarineiros, etc...etc...etc..., isso só mencionando pessoas e empresas contratadas diretamente. Indiretamente se percebe uma acentuada ativação nos comércios locais, especialmente no ramos de roupas, calçados, salões de beleza, manicures, etc...Porém, em todas as planilhas de custos, os empreendedores tem que registrar discretamente mais um rubrica de despesas: o "PP", sigla sigilosa para "pagamento de propina". Mesmo que você esteja 100% dentro da lei e regulamentado, é raro um evento acontecer sem o pagamento dessa "despesa" convencional. Isso sem contar as carteiradas que se leva na cara para a liberação de acesso gratuito das "autoridades" e acompanhantes, e vira-e-mexe, quando acontece algum incidente ou briga no recinto do evento, geralmente essas mesmas pessoas são as protagonistas. Eu sei que é arriscado falar isso, mas infelizmente é a verdade. Apesar disso não ser grande surpresa para ninguém, acho oportuno abordar o assunto para que as coisas fiquem um pouco mais claras e justas.

Têm muita gente que veladamente está tendo um íntimo prazer mórbido com a desgraça do final de semana que ceifou a vida de centenas de jovens promissores. Essas pessoas que agora se voltam raivosamente contra toda e qualquer atividade de lazer pois "detestam" e sofrem com a felicidade alheia, lá no seu âmago, estão de fato é dizendo um sonoro, porém surdo: bem feito! Regozijam--se com o fechamento das casas noturnas e enaltecem as "autoridades" que atuam com truculência e falta de senso contra as atividades recreativas. Para elas, eu digo: não se iludam! Esse país vive de "modismos" e bastará outro fato alarmante para que os holofotes e câmeras se desviem para outros focos e tudo volte a rotina com as mesmas práticas retomando as suas normais atividades. Infelizmente, ao invés de tirarmos proveito do incidente, aproximando o poder público dos empresários para, através do diálogo e parcerias melhorarmos a segurança geral, estamos apenas assistindo factóides efêmeros como gotas de sereno, para deleite dos abutres do caos.

Gostaria muito que após essa vertiginosa avalanche de medidas drásticas contra os estabelecimentos de lazer, as autoridades constituídas adotassem o mesmo rigor para com postos de combustíveis que não respeitam as normas de segurança, depósitos de gás residencial que operam sem fiscalização, igrejas e templos que abrigam capacidade muito maior que o espaço compatível, e especialmente, os pontos de tráfico de drogas, que são conhecidos de todos, mas que operam num mar de tranquilidade e impunidade  incompreensíveis para esse ignaro blogueiro. Infelizmente, tenho ciência que tais atitudes só serão tomadas se acontecer alguma tragédia de grande porte que sensibilize o país e que renda fotos e generosos espaços de mídia e promoção pessoal para as autoridades após o ocorrido.

Silenciosamente, milhares morrem todos os dias no país graças ao tráfico de drogas. Uns como usuários intoxicados, outros assassinados, e tantos demais como vítimas de atos praticados por influência do consumo ou da necessidade orgânica da absorção de alucinógenos. Porém, a sociedade brasileira, hipócrita por essência, convive passivamente com esse drama generalizado e prefere se importar e dirigir seus esforços contra  a mesinha na calçada do bar,  o som da música de um restaurante, com o cidadão que dirigiu após tomar uma inocente cervejinha ou com a fumaça do cigarro do vizinho, priorizando as suas preocupações diárias com o destino do personagem principal da novela das oito ou com quem será o novo centroavante do Flamengo. Enquanto houver bolsa-esmola para vagabundo, comissão de direitos humanos em favor de estupradores, cotas discriminatórias na educação pública, lucros estratosféricos para banqueiros, corrupção generalizada e tolerância com traficantes, entre outras práticas sociais tão infiltradas no seio da vida pátria,  mesmo com todas as maravilhas que o Senhor nos doou, estaremos fadados a sermos uma naçãozinha de merda politicamente "correta", chata, insossa, atrasada e incompreensível.